quinta-feira, 31 de março de 2016

Felicidade à la carte ou “Oh faz favor! São 200g de felicidade”


Sentado no meio da sala de jantar vazia da pizzaria. Mais um dia longo de trabalho concluído. Tudo limpo, forno, cozinha arrumada, chão e mesas impecáveis. Vem-me à memória a alegria que há poucas horas enchia esta casa. Trabalho num dos locais mais fantásticos do mundo. A par de alguns -poucos- outros sítios, como os parques de diversões ou jardins públicos, as pizzarias são um daqueles locais onde os sorrisos são frequentes, onde a felicidade é tangível. Gosto de pensar que sirvo felicidade às fatias. E é esta felicidade que agora me toma de assalto os pensamentos. Andamos ávidos dela. Julgo que nunca como nos tempos que correm a tomamos por certa. Nunca como agora a damos por adquirida e imediata. E é este caráter imediato que me inquieta. Julgo que esta felicidade ao virar da esquina nos vem da insatisfação permanente, deste conceito mais ou menos difundido que nos está destinada, que a ela temos direito, a toda a hora e de forma absoluta. Explico a um amigo imaginário que sentado à minha frente, nesta sala vazia, me olha condescendente. A insatisfação advém deste colecionismo de coisas, pessoas ou situações que todos nós fazemos, em grau diferente confesso, mas fazemos. À distância de um click, de uma compra no eBay, de uma ida ao centro comercial ou à baixa, enchemo-nos a nós e às nossas casas de “coisas”. Seja o sofá- lindo de morrer-, a roupa ou o calçado da estação, ou o “smartqualquer coisa” … a tecnologia, ah… estes brinquedos tecnológicos que nos caçam sem dó. Nem adianta fugir… mas há sempre a “Black Friday”, o novo lançamento, a atualização, as novas tendências… Fábricas de insatisfação  “Colecionamos pessoas também?” Pergunta-me o tal que ocupa invisível o lugar à minha frente. Sim… devolvo-lhe o olhar condescendente. Nesta busca incessante colecionamos afetos. Num mundo cada vez mais pequeno, virtual ou fisicamente, procuramos as pessoas que queremos, que precisamos, que se ajustam a nós, numa lógica cada vez mais “prêt-à-porter”. Somos mais de 7 mil milhões, há para aí gente que “me sirva” aos pontapés. Colecionamos companheiros, amantes, amigos, famílias… até famílias. Costumamos catalogá-los, é mais fácil: os virtuais (chegam a ser aos milhares), os de uma noite só, os do trabalho, dos copos, dos jantares formais e/ou informais, dos passeios, das viagens, das aventuras e de mil e uma outras categorias que inventamos da forma que nos aprouver. Se não formos muito excêntricos, tornamos descartáveis só um pouco menos de 7 mil milhões de almas. Toleramos cada vez menos, suportamos o mínimo… a oferta é grande!!!!!  “Antes que me interrompas” digo ao tal que etéreo partilha comigo a mesa do restaurante da felicidade. Nem vou perder tempo com o colecionismo de situações que a todos nos torna viciados, agarraditos. Dez minutos numa qualquer rede social e é ver o bacanal de felicidade que as experiências com mais ou menos adrenalina nos vão proporcionando. “CHEGA” diz-me o meu interlocutor, (de tão interventivo desconfio da sua quase existência). “Felicidade é o grau de concretização de expectativas”, continua ele. “Num mundo mais livre, mais democrático, mais globalizado, só tu para veres forças demoníacas a controlar esta aspiração natural do ser humano em ser feliz!!!”  Respiro… Explico-lhe que felicidade para mim precisa de tempo para germinar, para crescer, para ser saboreada e que no mundo de hoje ela é exigida na hora. É tempo de fast food… de felicidade ao peso e pronta a ser consumida…. Vêm-me à memória a bofetada de realidade que levei a última vez que fui ao cinema com a minha filha. Em mais uma animação fantástica da Pixar, o protagonista lutava pela sua felicidade, tolerando a diferença, congregando vontades diversas, sendo fiel e dedicando o seu tempo aos que lhe estavam próximos, valorizando os mais frágeis, cultivando de forma abnegada afetos, maravilhando-se com as coisas simples. À saída, ainda empanturrado pelas pipocas, embevecido pela atmosfera criada na película e rindo de algumas piadas bem conseguidas, dou por mim enterrado num centro comercial à pinha, cheio de gente que não se olha, que se envaidece pelo volume e logos dos sacos, numa pressa por se aturdir em felicidade…  Se calhar é de mim… Se calhar a felicidade está mesmo aí à mão de semear…

A. entregou uma pizza à #amigo secreto

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