sábado, 30 de abril de 2016

A favor de Trump

Time Magazine
Nasci depois do 25 de Abril de 74 e sempre desejei tê-lo vivido. Mas também gostava de ter vivido na República de Weimar, ou na Rússia da revolução bolchevique, e ter assistido à ascensão nazi ou à tomada do Palácio de Inverno de São Petersburgo. Que têm estas épocas e locais em comum? Homens e mulheres tomaram o seu destino em mãos e lutaram por ele. Não deixaram para outros as decisões de uma vida, de um país. Acreditaram nos seus líderes e seguiram-nos, apoiando-os e lutando com eles. Combatendo de arma na mão, indo para as ruas, batendo palmas nos comícios, votando nos seus representantes, todas as formas são válidas para forjar o futuro de um país. Mas todas só são possíveis se não se assistir de bancada, se se puser as mãos à obra.
Depois do fim do processo revolucionário, Portugal entrou numa fase de normalização democrática. Não sou contra isso. O ser humano é um ser de rotinas. E de instituições. Sentimo-nos melhor quando umas e outras funcionam. Mas quando a normalização democrática se transforma em torpor democrático, a democracia está ferida de morte.
A morte da democracia pode ocorrer de várias formas. Pode morrer como morrem outros regimes, quando é sucedida, de forma violenta ou pacífica, por outra forma de governação colectiva, mas também pode sucumbir quando a insensibilidade e indiferença se instalam. A democracia, ao contrário da tirania, só vive quando os seus actores e autores se manifestam, participam, fazem parte viva do regime. Quando as pessoas se negam fazer a sua parte, quando assumem uma atitude passiva, quando encaram a democracia como o regime “deles”, e não o “nosso”, a democracia está condenada. E os nossos representantes são os primeiros a abrir a sepultura.
O lema da apresentação de candidatos às primárias americanas de ambos os partidos do establishment, democrata e republicano, podia ser a famosa frase de Giuseppe Tomaso di Lampedusa “Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude.”. Neste aspecto, o sistema americano é fabuloso, pois consegue criar a aparência de novidade (há dez anos, o primeiro presidente negro, este ano, a primeira presidenta?), mas mantendo o essencial sem alterações de monta, ou seja, business, as usual. E, nesta campanha, Hillary Clinton é, por excelência, a candidata do status quo. Quem votar nela não terá surpresas. Quem votar nela sabe que tudo continuará como dantes. Quando olho para a televisão e ouço Hillary Clinton falar, parece-me uma figura de cera, uma boneca cujos cordelinhos alguém puxa e ela dispara algumas frases feitas. Tudo artificial, tudo previsível, tudo, diria eu, profundamente antidemocrático.
Donald Trump tem aqui o seu grande ponto a favor. Ninguém lhe fica indiferente, é imprevisível, provoca emoções em quem o ouve. Multidões o ouvem e multidões o seguem para o insultar. Há lutas entre apoiantes e opositores. A democracia também é isto. Ao contrário do que é abundantemente dito e escrito, não é Donald Trump a grande ameaça à democracia. Pelo menos, não o é tanto como Hillary Clinton. Se eu fosse eleitor americano, e tivesse de escolher apenas entre os candidatos dos dois maiores partidos, não pensaria duas vezes: votaria em Donald Trump. E o futuro? É essa a beleza do futuro. Somos nós que o vamos criando. 
R. entregou uma pizza #à incendiário

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Amigos para sempre: Ganância & Estupidez

Hoje tive a oportunidade de assistir a um documentário, no mínimo, inquietante sobre a chamada economia verde que retratava a forma com os bancos (sempre eles!) estão actualmente a virar-se para a venda de medidas de mitigação a empresas poluidoras.


Isto explica-se de uma forma mais ou menos simples: bancos e empresas financeiras criam empresas que gerem territórios em risco de desflorestação ou que servem de habitat a espécies em vias de extinção e vendem produtos financeiros estruturados  (lembram-se do subprime? também era um produto estruturado!) a empresas, por norma poluidoras que necessitam de passar a mensagem para o público que se preocupam com o ambiente.

Provavelmente o que a maior parte de nós conhece, são as empresas que vendem medidas de mitigação das emissões atmosféricas de dióxido de carbono: na verdade, o que estas empresas fazem é providenciar algum alívio às consciências dos empresários poluentes (se é que empresários poluentes e consciência na mesma frase faz algum sentido!) e facultar-lhes licença para continuarem as suas actividades poluidoras. Obviamente que as empresas que vendem estas medidas de mitigação facturam milhões de dólares anualmente com a venda destes pensos rápidos da consciência dos poluidores e ao mesmo tempo garantem publicidade verde às companhias que as compram.

Quanto do dinheiro ganho é aplicado em medidas de proteção, recuperação e valorização ambiental? Aparentemente muito pouco.

Apenas o estritamente necessário para manter as aparências perante a opinião pública e a comunicação social. E as tais medidas ambientais retratadas no documentário passam, no caso da empresa brasileira de exploração mineira Vale, por reflorestar os solos da floresta amazónica que já exploraram. Com eucaliptos! Monocultura intensiva de uma espécie bem conhecida de todos nós pelos efeitos nefastos que produz sobre os solos. Compensam a desflorestação da maior floresta tropical, compensam a perda de biodiversidade associada à desflorestação com a plantação intensiva de eucaliptos que vão vender, obtendo ainda mais lucro.

Este é um jogo perigoso, criado pelos suspeitos do costume, com o objectivo de ganhar dinheiro. Não se trata de protecção ambiental, não se tratam de medidas de mitigação dos efeitos da actividade industrial e económica, trata-se simplesmente de fazer dinheiro às custas dos recursos comuns do nosso planeta.

Certamente que algumas destas pessoas já terão comprado terrenos na Lua ou em Marte, porque quando estiverem ainda mais ricos e o planeta com todos os seus recursos essenciais à vida esgotados, o dinheiro não lhes vai servir de muito. Água, ar e alimentos saudáveis serão um bem cada vez mais escasso e caro.

O documentário em causa está aqui.

E. entregou uma pizza #à politicamente irrelevante; #à tou que nem posso.


sexta-feira, 15 de abril de 2016

Super-CIJI vs Doutor Dormência

Há dias surgiu um novo Super-Herói... O Super-CIJI, também conhecido com Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. Antes dele outros apareceram. Todos caducos na sua duração tal como, suspeito, o Super-CIJI será. E todos idealistas (assumindo eu que os princípios por trás da sua luta contra o mal são o bem comum e a justiça... e se calhar estou a ser muito inocente). Antes dele o Super-Snowden, a família Leaks (com a dupla Wiki e Lux à cabeça), os Anonymous (que agora fazem parte da AA - Anonymous Anónimos) e outros que tais conseguiram a proeza de nos inspirar e fazer acreditar num mundo melhor e assustaram os Super-Vilões deste mundo. Mas todos sucumbiram ao poder da Kryptonite de que é feito o fato do Doutor Demência, defensor dos sacanas, sem-escrúpulos, fajutos, trapaceiros e malfeitores.

O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação revelou, na semana passada, os Panama Papers. Super-CIJI conjurou, com os seus incansáveis ajudantes, para derrotar finalmente a corja imunda que se alimenta da sociedade humana! Até consigo ver Super-CIJI a esfregar as mãos de entusiasmo e felicidade enquanto diz aos seus pequenos ajudantes: "Conseguimos rapazes! Conseguimos! Vamos apanhar esses meliantes distraídos e aplicar-lhes um correctivo de que nunca se esquecerão!"
Na minha mente o Super-CIJI é um nerd tipo Clark Kent... e o seu alter-ego e um nerd tipo... Clark Kent! E os seus ajudantes são uma espécies de Mínimos com mangas de alpaca (literalmente) a investigar, vasculhar, escrever, ajustar os óculos no nariz, fungar, continuar a investigar, vasculhar... O Super-CIJI vai passando entre eles dando palmadas de encorajamento nas costas e dizendo palavras de incentivo do género "Mas que belo artigo rapaz!" ou "Não te esqueças que em Portugal existe um acordo ortográfico... e nós não queremos problemas com a lei! Somos cumpridores!" ou ainda "Mal posso esperar para ver o ar de espanto e estupefacção dos trapaceiros!".

Como uma bomba o árduo trabalho dos ajundantes de Super-CIJI explodiu nas sociedades ocidentais! E no espaço de uma semana... caiu no esquecimento!
A esta hora Super-CIJI e os seus companheiros ainda tentam compreender o que aconteceu... Mas que raio! Era de esperar que desta vez fossem bem sucedidos, ao contrário dos seus antecessores, caídos na desgraça do acontecimento... Mas Super-CIJI desvalorizou a némesis dos Justiceiros, dos Benfeitores, dos... "Totós"!... O maléfico Doutor Dormência!

Doutor Dormência é contratado por todos os pulhas, malandros, aldrabões, cafajestes, biltres deste mundo! Quando algum desses conspurcadores da sociedade humana se sente em aperto eis que Doutor Dormência aparece! Doutor Dormência é O vilão entre os Super-Vilões! E as suas estratégias são infalíveis!
Doutor Dormência aconselha os salafrários ao bom e velho estilo Taveira e sugere "pronto... pronto... aguenta, não chora!". Quando os patifes criminosos se sentem ir abaixo e dizem que não aguentam mais Doutor Dormência aplica o antídoto Ulrich e recorda... "Ai aguenta aguenta!" (Aqui entre nós Taveira é um menino ao pé de Ulrich... por uma questão de números).
Enquanto os intrujões aguentam as acusações de que são alvo e a indignação generalizada da sociedade e dos pobres cidadãos honestos e cheios de princípios, Doutor Dormência aplica o golpe fatal, a sua arma secreta, a kryptonite dos iludidos idealistas... a indiferença!
Num golpe de mestre Doutor Dormência puxa dos seus super-poderes e activa o chip que instalou há muito em todos nós o NumbX - factor de entorpecimento! Numa demonstração de genialidade o mau e velhaco Doutor criou um chip que implantou em todos os seres-humanos e que é activado perante a exposição a um jogo de futebol, a uma novela, a um reality-show, a uns sites +18, às ondas dos telemóveis, ao trânsito interminável das grandes cidades...

De cada vez que Doutor Dormência activa o chip este funciona como um choque eléctrico, mais forte a cada utilização, e deixa-nos cada vez mais indiferentes, descrentes e conformados.
Querem um exemplo para além do citado Super-CIJI? Maria Luís! Pois é! Maria Luís meteu o pé na poça... e a malta que ainda consegue indignar-se... indignou-se! Como qualquer pulha, vigarista, trapaceiro, Maria Luís apelou ao Doutor Dormência. Se resultou, perguntam vocês? "Que caso da Maria Luís?" respondo eu!

Sabem que mais? Razão têm o Taveira e o Ulrich!

J. entregou uma pizza #à forças demoníacas

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Tarrafal, no coração da luta pela liberdade

Ao mesmo tempo que o Campo de Concentração nazi de Sachsenhausen abria as suas portas nos arredores de Berlim, em Cabo Verde, o regime Salazarista decidia instituir um campo de concentração na ilha de Santiago, o infame Campo de Concentração do Tarrafal. Começou a funcionar em 29 de Outubro de 1936, recebendo os primeiros prisioneiros, oponentes políticos ao regime, camponeses, operários, soldados, marinheiros, estudantes, intelectuais, sindicalistas. Quando o visitei, há poucos dias, não pude deixar de reparar nas semelhanças entre o ‘nosso’ campo e o dos nazis. Um sítio isolado, longe de olhares curiosos, mas localizado nos arredores de uma pequena localidade, os altos muros, o fosso, os barracos, a prisão, as celas de isolamento, os espaços comuns diminutos, a dieta de fome, os locais de trabalho forçado. Tudo era igual, a mensagem era a mesma, ganhando o local o epíteto de ‘Campo da Morte Lenta’. O médico do campo dizia “não estou aqui para curar, mas para passar certidões de óbito”.
No Tarrafal, o regime do Estado Novo mostrou a sua verdadeira natureza. Entre 1936 e 1954, funcionou como ‘colónia penal’ destinada a cidadãos ‘desafectos do regime’. Foram 32 os prisioneiros políticos que perderam a vida no Campo do Tarrafal, sendo o mais conhecido o então Secretário-Geral do PCP, Bento Gonçalves, que perde a vida a 11 de Setembro de 1942. Os restantes sofreram mazelas físicas e psicológicas que os iriam marcar para a vida. No pós-guerra, derrotado o regime fascista nazi, o regime fascista português foi pressionado para que o campo do Tarrafal fosse encerrado. Isso acabou por acontecer em 26 de Janeiro de 1954. Mas com o início das acções anticolonialistas e independentistas em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, o regime decide reabrir o Tarrafal. Foi designado por um novo nome, ‘Campo de Trabalho do Chão Bom’ (o nome da pequena aldeia junto ao campo), mas a filosofia continuou a mesma. A Portaria da então Direcção-Geral da Justiça data de 17 de Junho de 1961 e é assinada pelo Ministro do Ultramar, Adriano José Alves Moreira. O mesmo Adriano Moreira que tinha sido Membro da delegação Portuguesa na ONU (1957-1959) e Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina (1960-1961), e o mesmo que organizou, a partir de 1961, o início da oposição armada das tropas portuguesas aos movimentos independentistas, encarados como traição à Pátria, intensificando também as práticas repressivas da PIDE nas colónias.
A repressão e a inumanidade no Campo do Tarrafal / Chão Bom só terminariam uma semana depois de 25 de Abril de 1974. No dia 1 de Maio, os últimos prisioneiros eram finalmente libertados. Mas a revolução portuguesa, e o regime democrático daí decorrente, são únicos nos anais da história. Os principais líderes e responsáveis do regime salazarista são pacificamente deportados para o exílio, ou são incorporados na vida política e social do pós-25 de Abril. Adriano Moreira foi Deputado da Assembleia da República (1979-1991) pelo CDS, Presidente do CDS (1986-1988 e, interinamente, 1991-1992), Vice-presidente da Assembleia da República (1991-1995), e eleito para o Conselho de Estado em 18-12-2015. Para além de numerosas condecorações, o Professor Doutor Adriano Moreira recebeu o doutoramento honoris causa pela Universidade do Mindelo, em São Vicente (Cabo Verde), no dia 10 de Dezembro de 2011, Dia Internacional dos Direitos Humanos. 
O Campo de Concentração do Tarrafal, ou o que dele resta, agora como Museu da Resistência, é uma visita obrigatória para todos os portugueses. Ensina-nos que fomos capazes de atrocidades que só associamos a outros; ensina-nos que a democracia é um regime frágil; ensina-nos que a liberdade não pode ser encarada como garantida e que devemos lutar por ela todos os dias. É memória viva, mais concreta e eficaz que o papel dos manuais de história. Mas mesmo a história, e a memória a ela associada, têm de ser alimentadas e acarinhadas, para não morrerem no esquecimento. Pois, como Jorge Santayana escreveu, “Aqueles que não recordam o passado, estão condenados a repeti-lo”. Recordemos a história, então, para que um Tarrafal nunca mais se repita em solo português, e para que não cometamos o erro de condecorar e eleger para nossos representantes aqueles que construíram e mantiveram o Campo de Concentração de Tarrafal em funcionamento. 

R. entregou uma pizza #à ódios de estimação
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