Time Magazine |
Nasci depois do 25 de Abril de 74 e sempre desejei tê-lo
vivido. Mas também gostava de ter vivido na República de Weimar, ou na Rússia
da revolução bolchevique, e ter assistido à ascensão nazi ou à tomada do
Palácio de Inverno de São Petersburgo. Que têm estas épocas e locais em comum?
Homens e mulheres tomaram o seu destino em mãos e lutaram por ele. Não deixaram
para outros as decisões de uma vida, de um país. Acreditaram nos seus líderes e
seguiram-nos, apoiando-os e lutando com eles. Combatendo de arma na mão, indo
para as ruas, batendo palmas nos comícios, votando nos seus representantes,
todas as formas são válidas para forjar o futuro de um país. Mas todas só são
possíveis se não se assistir de bancada, se se puser as mãos à obra.
Depois do fim do processo revolucionário, Portugal entrou
numa fase de normalização democrática. Não sou contra isso. O ser humano é um
ser de rotinas. E de instituições. Sentimo-nos melhor quando umas e outras
funcionam. Mas quando a normalização democrática se transforma em torpor
democrático, a democracia está ferida de morte.
A morte da democracia pode ocorrer de várias formas. Pode
morrer como morrem outros regimes, quando é sucedida, de forma violenta ou
pacífica, por outra forma de governação colectiva, mas também pode sucumbir quando
a insensibilidade e indiferença se instalam. A democracia, ao contrário da
tirania, só vive quando os seus actores e autores se manifestam, participam,
fazem parte viva do regime. Quando as pessoas se negam fazer a sua parte,
quando assumem uma atitude passiva, quando encaram a democracia como o regime “deles”,
e não o “nosso”, a democracia está condenada. E os nossos representantes são os
primeiros a abrir a sepultura.
O lema da apresentação de candidatos às primárias americanas
de ambos os partidos do establishment, democrata e republicano, podia ser a
famosa frase de Giuseppe Tomaso di Lampedusa “Se queremos que tudo continue
como está, é preciso que tudo mude.”. Neste aspecto, o sistema americano é
fabuloso, pois consegue criar a aparência de novidade (há dez anos, o primeiro
presidente negro, este ano, a primeira presidenta?), mas mantendo o essencial
sem alterações de monta, ou seja, business, as usual. E, nesta campanha,
Hillary Clinton é, por excelência, a candidata do status quo. Quem votar
nela não terá surpresas. Quem votar nela sabe que tudo continuará como dantes. Quando
olho para a televisão e ouço Hillary Clinton falar, parece-me uma figura de
cera, uma boneca cujos cordelinhos alguém puxa e ela dispara algumas frases
feitas. Tudo artificial, tudo previsível, tudo, diria eu, profundamente antidemocrático.
Donald Trump tem aqui o seu grande ponto a favor. Ninguém lhe
fica indiferente, é imprevisível, provoca emoções em quem o ouve. Multidões o
ouvem e multidões o seguem para o insultar. Há lutas entre apoiantes e
opositores. A democracia também é isto. Ao contrário do que é abundantemente
dito e escrito, não é Donald Trump a grande ameaça à democracia. Pelo menos,
não o é tanto como Hillary Clinton. Se eu fosse eleitor americano, e tivesse de
escolher apenas entre os candidatos dos dois maiores partidos, não pensaria duas
vezes: votaria em Donald Trump. E o futuro? É essa a beleza do futuro. Somos
nós que o vamos criando.
R. entregou uma pizza #à incendiário
Sem comentários:
Enviar um comentário