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Confirmou-se a grande surpresa: Donald Trump é o presidente
eleito dos EUA. Os media, os opinion makers, a vox populi,
todos erraram. De uma forma, ou de outra, fez-se história. Que conclusões
podemos nós retirar de tudo o que aconteceu?
1. Em termos práticos, os resultados eleitorais são
inegáveis. Dada a natureza do sistema
eleitoral americano, Trump nem precisou de ter mais votos a nível
nacional. Mas ganhou nos estados onde era suposto ganhar, e, principalmente, ganhou nos estados indecisos mas decisivos, tais como
Florida, Ohio ou Carolina do Norte, e até em alguns estados que eram democratas
há décadas, tal como no Wisconsin (“azul” desde 1988). Regra geral, Clinton ganhou apenas nas costas oeste e nordeste, urbanas, populosas e
cosmopolitas. Nos estados indecisos, Clinton ganhou apenas nas principais
cidades, perdendo no cômputo geral. Mas o resto do mapa eleitoral acabou pintado de vermelho, ditando o
destino de Trump e Clinton. Finalmente, o processo eleitoral e democrático
decorreu sem falhas e sem qualquer indício de fraude (hipótese aliás levantada
por Trump).
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2. Em termos de personalidade do candidato, há quem classifique
Trump como “fascista” e uma ameaça real à democracia e à estabilidade mundial.
Este receio, no entanto, é, no mínimo exagerado e prematuro. Durante o longo
caminho de campanha (Trump anunciou a sua candidatura em Agosto de 2015), Trump
revelou-se tão democrata como qualquer outro candidato, respeitando a orgânica
do sistema e os processos em vigor. Demonstrou um estilo pessoal “fora da caixa”,
uma vez que se apresentou como sendo um não-político, vindo de fora do “sistema”,
mas a verdade é, com excepção de “bocas” lançadas a adversários que roçaram o
mau gosto, actuou (do ponto de vista formal e político) durante toda a campanha
de forma semelhante a Clinton. Até agora, nada, absolutamente nada, nos indica objectivamente
que Trump é uma ameaça ao regime democrático. Claro está que, como em relação a
qualquer outro presidente eleito, o eleitorado deve estar atento a “comportamentos
desviantes” (políticos), de forma a evitar a desvirtuação do sistema
democrático. Mas, repito, isso aplica-se a qualquer vencedor das presidenciais.
3. Ainda a este respeito, deve-se acrescentar a própria
natureza do sistema político americano, com base nos “checks and balances” dos
diferentes ramos do sistema democrático. O Presidente representa o ramo
executivo (que aplica as leis) mas é vigiado, aconselhado, por vezes apoiado,
mas também confrontado, pelos ramos judicial (que interpreta as leis) e
legislativo (que redige as leis). O sistema foi pensado de forma que nenhum
ramo tivesse o poder absoluto e tem funcionado bem até agora. Mas também é verdade
que Trump é eleito com uma maioria no Senado, no Congresso, e no Supremo
Tribunal de Justiça. Mas, nos EUA, a maioria do mesmo partido não significa uma
obediência cega do poder legislativo ao poder executivo, como acontece, por
exemplo, em Portugal (em que os deputados se limitam a acenar com a cabeça às
iniciativas do Governo). E, em 2018, sempre há novas eleições para o Congresso.
4. O principal ponto a favor de Trump foi apresentar-se como um agente de mudança, o candidato contra o status quo, medindo forças com Clinton, figura máxima do “establishment” americano. Até que ponto irá ele satisfazer os seus eleitores e ser, realmente, diferente daqueles que o precederam, eis a questão. Mas é sempre esta a questão, quando se fala de um candidato recentemente eleito. Irá desiludir, não cumprindo o que prometeu? No caso de Trump, rios de tinta correram nos media sobre algumas declarações de Trump, nomeadamente no que se refere à emigração. Mas, enquanto a maioria dos políticos altera o seu discurso depois da eleição, Trump foi-o fazendo ainda durante a campanha eleitoral! Na realidade, Trump apresentou duas faces bem diferentes, uma mais radical durante a campanha das primárias republicanas (onde enfrentava candidatos igualmente radicais) e durante a campanha contra Clinton, onde se revelou muito mais contido, em particular nos debates televisivos, onde teve uma postura e desempenho muito semelhantes a Clinton. Trump “candidatável” não foi o mesmo de Trump presidenciável, e certamente não será o mesmo de Trump presidente. O discurso de Trump na noite da eleição já foi bem diferente no tom e na substância, em particular no que toca à sua adversária. Antes, acusava Clinton de corrupta e ameaçava-a de prisão. Agora, elogia e agradece o trabalho árduo e longo que Clinton fez ao serviço do país. Ou seja, parece ser muito mais provável que Trump desiluda os seus eleitores do que se revele tão radical como presidente quanto o foi nos seus primeiros tempos de candidato nas primárias do Partido Republicano.
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5. Last but not least, a eleição de Trump
revela que a América não é aquilo que os europeus querem que seja; não é aquilo
que os comentadores políticos dizem que é; não corresponde à imagem que os
meios de comunicação fabricam. Grande parte do eleitorado americano é
nacionalista, isolacionista, racista, pouco (ou nada) preocupado com os
problemas do ambiente, com crenças religiosas fortes (alguns criacionistas), e
crente no papel especial do seu país aos olhos de Deus. Para o eleitorado que o
elegeu, Trump personifica estes ideais. E, acima de tudo, Trump simboliza o
sonho americano, mesmo nascendo num berço de ouro, um homem do topo que soube
relacionar-se com trabalhadores, participou em filmes, foi responsável por um
reality show de sucesso. E se, como escreveu Shakespeare, o mundo é um palco,
ou como disse Chaplin, a vida é uma peça de teatro, então Trump é um actor e
uma personagem que soube conquistar o seu público. Mas esta peça não permite ensaios, restando descobrir se as cortinas
se fecharão com aplausos ou assobios.
R. entregou uma pizza #à amigo secreto
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